A senhorinha
acordou do cochilo da tarde e desligou o ar condicionado. Ainda não tinha
aprendido a mexer naquele troço direito. Sempre ficava ou muito frio ou não
resfriava nada. Tinha que se lembrar de pedir pra neta ir lá ensiná-la. Decidiu
abrir a janela pra ver se entrava um ar quente da rua. Ligou a televisão,
sentou na poltrona e assistiu, sem dar atenção, a uma cena do filme dublado que
passava. Ligava sempre a televisão porque gostava daquele zunido de pessoas
falando. Colocou as pantufas, foi até a janela da sala e olhou lá pra baixo,
morava no décimo andar de um prédio de onde só se via o topo da cabeça das
pessoas. A rua não era muito movimentada e isso contribuía para a falta de
emoção daquelas tardes. Adorava olhar lá pra baixo quando chovia, porque os
guarda-chuvas abertos, cada um de uma cor, faziam um lindo desenho em
movimento. Mas nesse dia fazia sol. Ficou ali debruçada no parapeito da janela
algum tempo, pensando se conseguiria reconhecer algum pedestre, mas não
conseguia. Então tentou imaginar quem eram aquelas pessoas e o que faziam
naquela rua à pé, pra onde iam e quem iriam encontrar...
Quando caiu em
si, pensou que tinha virado uma futriqueira depois de velha. “Que besteira
ficar querendo saber da vida dos outros!”, cochichou pra si mesma. Foi até a
cozinha fazer um café e comer um lanchinho. O cheiro do pão torrado fez lembrar
quando era nova e ia visitar a madrinha na sexta-feira santa pra pedir a
benção. Era costume ir todos os onze irmãos juntos na casa de todas as madrinhas.
Era o dia inteiro de casa em casa, pra lá e pra cá, uma bagunça! A madrinha
dela tinha mania de guardar os pães que fazia num baú cheio de roupas e
naftalina pra conservar. Na sexta-feira santa servia aquele pão com cheiro e
gosto de naftalina pra criançada toda que aparecia. Era preciso prender a
respiração pra comer de tanto que o pão fedia. Não podia fazer cara feia,
desacato pra madrinha é pecado. Ainda mais na sexta-feira santa. Davam graças a
Deus quando iam pra casa da madrinha do irmão mais novinho. Era a única que
torrava o pão pra todo mundo.
Sentou na
cabeceira da mesa e comeu o seu café da tarde. Lembrou-se das visitas que fazia
na casa das irmãs de sua avó. “Será que ainda existe esse negócio de tia avó
hoje em dia?”, se perguntou em pensamento. Quando morava em Maricá, era tudo
casa, todos moravam pertinho, era roça. A sala da casa dava numa varandinha que
já dava na rua de terra batida. O vizinho da frente, seu Antônio, estava sempre
ali, proseando na cadeira de balanço com dona Carmelita. Conhecia cada rosto
daquela rua. Às vezes levava bronca da mãe quando saía pra comprar a manteiga
da vendinha do fim da rua e tardava a voltar porque entrou na casa de alguém
pra ficar de papo. Não era culpa dela, as pessoas ficavam fora de casa e chamavam
quando ela passava, não podia fazer desfeita. Mas é que a mãe esperava a
manteiga pra servir com pão pra visita que estava lá na casa.
Terminou de tomar
o café, lavou a louça e voltou a ver aquele filme sem graça da televisão.
Pensou em quanto seu apartamento estava longe do chão, da terra batida, dos
vizinhos e das pessoas queridas. Desejou que a campainha soasse, que o telefone
tocasse, que alguém batesse na porta. Fechou os olhos bem apertados e quis
chorar. Saudou o tempo que não existe mais e ficou triste pelas netas, que não
tiveram aquilo, que estavam, provavelmente, trancadas sozinhas em seus quartos
de apartamento. Pelo menos com o ar condicionado numa temperatura agradável.
Parece que todo prédio carrega junto um ar de nostalgia... parece que tem algo de parodoxal nos corredores, nos elevadores, nos porteiros, algo de ridículo...
ResponderExcluirO mais estranho somos nós, nascidos e criados em prédios, sentirmos essa nostalgia.
Será que as crianças de hoje sentem isso também?