terça-feira, 10 de março de 2015

Medo

Quando a Luiza o convidou ele nem ficou tão interessado. Era muita gente desconhecida junta, ele não estava lá com tanta vontade de ver gente nova. Aquelas conversas vazias de quando você ainda não é íntimo, aquele interesse forçado pra iniciar assunto, tudo isso dava muita preguiça. Porém, a insistência foi tanta que lá estava ele, numa sexta-feira à tarde na casa dela, esperando todos aqueles rostos que, certamente, nada tinham a dizer. Era aniversário da Luiza, e ele gostava tanto dela que ficava até sem graça de deixar de ir, por isso fez questão de chegar antes do sol se pôr, assim talvez conseguisse o aval de sair mais cedo e não ter que agüentar tanto tempo depois que o apartamento já estivesse repleto de pessoas.
Foi o primeiro chegar, se juntou a aniversariante e ajudou na arrumação. Até então, na casa, só estavam as meninas do quarto ao lado do da Luiza, ele já conhecia, mas pouco conversaram, tudo o que sabia é que essas meninas trabalhavam na firma que ficava em frente à antiga loja de seu pai. No rádio tocava uma musica cujo cantor ele havia lido uma reportagem a pouco tempo, tentou falar a respeito mas as meninas pouco se interessaram. Deixa pra lá. Sempre julgara a Luiza meio desinibida demais, sem critérios pra fazer amigos, aquilo era esquisito. Devia ser porque bebia demais. Ainda sem nenhum convidado, ela ofereceu as primeiras doses de um destilado mexicano que trouxera da última viagem, ele aceitou.
Já depois de mais de hora, chegou um grupo, um monte de gente junta. Porque dificultar mais as coisas? Se ainda chegasse uma pessoa de cada vez, seria tão mais fácil. Deviam ser umas doze, entre meninos, meninas e um que não dava pra saber direito. Eles conversavam num ritmo tão intenso, enquanto um falava o outro gesticulava e era interrompido por um terceiro que fazia adendos na história. Ele simplesmente não conseguia acompanhar aquele ritmo, era uma falação, uma gritaria que abafava o som do rádio. Ele só queria ir embora, desistia quando começava a ficar tão difícil de conversar com os outros. Dava um medo! Medo de descobrir os outros, de ver que a vida dele nem era tão boa assim, ou ainda pior, de descobrir que os seus problemas não eram tão grandes quanto pareciam. Medo do que iam achar dele. Mas ele acreditava que ter medo do que os outros iriam pensar era uma coisa tão adolescente que tinha medo que os outros descobrissem isso. Era um medo atrás do outro.
De alguma forma, que provavelmente se relacionava com aquele destilado mexicano, ele percebeu os medos. Com medo de ser percebido enquanto percebia os seus medos, foi pra varanda ficar um pouco sozinho. Lá, ele pensou que os medos costumam se esconder por trás de tantos outros sentimentos, e parecem precisar de alguma coisa pra desmascará-los. Depois, se perguntou como faz pra passar o medo, e lembrou-se de algumas conversas em terceira pessoa que escutou na vida, as quais nunca deu muita importância, e decidiu enfrentar os seus medos. Voltou pra cozinha sem saber o que fazer, sentou do lado daquela pessoa com o gênero indistinguível. Desconfiava ser uma menina, mas será que isso importava pra ela/ele? Qual seria seu nome? Ele percebeu que tinha tantas coisas pra perguntar e fez, então, o seu primeiro movimento da noite: perguntou. Era a Maíra, e ela tinha tantas coisas pra contar quanto ele tinha pra perguntar. Nessa noite, ele conheceu o casal mais lindo que já tinha visto antes na vida. Ele jogou dominó, e viu que aquelas peças brancas faziam um desenho na mesa que variava de acordo com a conversa que os jogadores levavam.
Ele voltou pra casa só no dia seguinte, com um turbilhão de sensações na cabeça, tinha conhecido tanta gente, com tantos detalhes. Ele refletiu sobre as histórias das quais cada pessoa é feita, e que todas eram completamente diferentes. Ninguém é comparável, nem mesmo ele. Então, ele pensou na quantidade de conversas que jamais dera atenção, no tanto de histórias que deixou de ouvir e em todos os momentos que não conseguiu viver, e, só de pensar, estremeceu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Três vezes arte

Alguém estava triste na rua, Recuperando-se do dia inteiro sofrido Tentaram distraí-lo de seu sofrimento Enganando-o com as gritaria...