Existe todo um
ritual para se terminar um ano e começar outro. Desde os rituais mais
comerciais como a venda de flores pra jogar no mar ou de roupas brancas até as
mais abstratas como as infindáveis listas de promessas e resoluções que nem
sempre serão cumpridas. As pessoas ficam ouriçadas, no sentido mais puro da
palavra, é como que virassem ouriços mesmo, de cabelos em pé, pelos arrepiados
e olhos arregalados. É preciso providenciar tanta coisa, decidir que roupa
usar, com quem passar a virada do ano, viajar ou não, o que comer, o que
comprar... As lojas ficam todas lotadas, os supermercados e principalmente as
estradas. Os preços vão às alturas e parece que todos os seres humanos saem de
suas tocas, afinal, não existe lugar vazio nesta época. Quem conseguir abrir os
dois braços e rodar até ficar tonto em uma praia no final de ano já pode se
sentir privilegiado!
Todo
esse alvoroço de final de ano é um tanto cansativo e até mesmo entediante. Não
podemos deixar de estar alegres, sorridentes e desejar um bom fim de ano pra
todo mundo que encontrarmos, conhecidos ou não. E ai de quem tentar escapar do
ritual! Quem está magoado, triste, sem ânimo pros festejos ou quem ainda não se
contaminou com a euforia, tem mais é que dar um jeito e se encaixar o mais
rápido possível, pra não ficar feio.
No
entanto, para além desses rituais manjados, que toda a boiada pratica
anualmente, mesmo sem querer, existe um ritual intrínseco ao fim de ano, que
acontece nos abençoados trópicos, que é a chuva de todo último dia do ano.
Depois daquele dia de calor quase infernal, que ninguém agüenta mesmo estando
pelado, no fim do dia, o céu escurece com as nuvens carregadíssimas e cai
aquele toró, e logo depois o sol abre de novo. Essas chuvas de verão, em
especial a do último dia do ano, são previsíveis, todos os brasileiros são
familiarizados com elas, alguns, inclusive, já derramaram lágrimas junto com as
gotas de chuva por terem parentes perdidos nas recorrentes inundações e
deslizamentos de todo começo de ano. Tais chuvas também são responsáveis por
dramas muito menores como arruinamento de festas ou cancelamento de viagens. É
essa chuva do último dia do ano, porém, que sobressai a todos os rituais que
envolvem a virada do ano. É ela, caindo bem mansinho no começo, que traz o
aviso de que o ano está se acabando, traz o sinal, nos faz agradecer o ano que
se encerra. E depois, quando aperta e chove forte é a natureza nos pedindo pra
lavar a alma, pedir perdão, perceber as falhas cometidas, é uma bronca. E
depois quando volta a chover mansinho, é a chuva acabando, as nuvens já
descarregadas, a natureza aceitando nosso perdão fazendo carinho de novo com
suas águas celestes, essa é a hora de se preparar pro novo ano. Logo em seguida
o céu se abre, o sol retorna, muitas vezes nos presenteando com arco-íris, o
ano novo está batendo a nossa porta, pedindo pra entrar, repleto de cores. O
ritual da chuva que vem molhar nossas cabeças, memórias e lamentos é tão
verdadeiro que coloca no chinelo as lentilhas, uvas, flores e roupas brancas.
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