Conheci uma mulher de onze anos.
Meus vinte e cinco se curvaram diante de sua experiência. Era uma caçadora,
conhecedora dos animais, dos locais de desova dos bichos de casco e das plantas
de comer. Me ensinou o que era patinha, marreca, tracajá, iaçá, zé prego,
coroquinha e mais nomes que eu mesma já esqueci. Somavam três os bebês criados
por ela. Parece que por aqui os meninos podem ser meninos até mais tarde, mas
as meninas só podem ser mulheres. Essa mulher que eu conheci reclamava da
solidão, que os meninos eram unidos mas ela não tinha com quem ficar. Ela disse
que abriria mão do quarto só pra ela para ter a companhia de uma irmã. Mas os
pais dela só sabiam fazer meninos.
Seus olhos profundos fitavam tudo
ao seu redor, sem que se desviassem por muito tempo do bebê no colo. Os pais
foram pescar, e ela precisava fazer o almoço, estender a roupa e lavar as
sujas. Fazia tudo sem tirar o irmão do colo porque por um segundo que o
soltasse, ele começada a chorar. Ela disse que fazia isso porque o mimava. O
bebê só sabia chamar pelo pai e por ela, pela mãe não chamava.
Com o menino de oito meses no
colo, subia na canoa, abria o fundo falso, pegava o tracajá pra me mostrar,
pulava de volta pro flutuante, estendia roupa, pulava pro motor vizinho,
trocava fraudas. Tudo com muita habilidade. Os olhinhos vivos brilhavam quando
me convidava pra caçar mais tarde, caminhar, olhar os pássaros. Disse que
depois que a mãe chegasse da pesca, que ela lavasse roupa e arrumasse o
flutuante, depois que não tivesse mais o que fazer, a gente poderia passear
juntas. Ela me mostraria como matar os bichos. E ia com o menino no colo mesmo.
Enquanto banhava o menino com uma
panela furada por um jacaré, me confessou que tinha medo de chegar na beira
quando estava sozinha. E medo de ficar muito tempo ali só com o bebê. Ela faz
isso desde os oito anos, um irmão colado no outro. Nenhuma irmã. A mulher tinha
a pele dourada, os cabelos escuros com as pontas loiras, e tinha medo de
lavá-los no rio por causa dos jacarés. Mesmo assim eram lindos.
Assumiu ares de menina quando
cismou de catar ovos de marreca. Insistiu pra que eu fosse com ela, pegou a
canoa e remou até onde eu pudesse entrar. Dirigiu o motor até onde sabia que
encontraria o ninho. Trepou no pau de árvore, escalou suas raízes, o tronco, e
foi até o ninho da bicha. Ensinou como se fazia ao menino de dezesseis que ia
conosco. Arrumou uma forquilha, um chapéu, se enfiou no buraco e apanhou os
vinte ovos que tinha na ninhada. O buraco no pau era de uma profundidade do
tamanho do corpo dela. Examinando lá dentro, por vezes, só tinha a testa pra
fora. Morria de rir procurando a forquilha, gargalhava se enfiando no buraco.
Mangava da bestice minha e do menino que pouco sabíamos sobre tudo aquilo.
Encontrar os ovos de marreca era uma diversão sem tamanho. Quando ria, abria
bem a boca, expunha seus dentões brancos e os olhos ficavam pequeninos, era uma
criancinha.
Voltando da coleta de ovos,
retomou a mulher que era, dirigindo a rabeta até o flutuante. Pegando de novo o
menino no colo pra mãe poder pescar, preparou a janta.
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