sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Praia da Barra, 2015.

Na barraca ao lado, o homem de cabelos brancos recosta numa cadeira à sombra do guarda-sol. Sua rechonchuda esposa senta com as pernas pra cima. Sob suas pernas, o joelho negro de um rapaz que a massageia os pés. O casal não olha para o rapaz e vice-versa.  Os olhares se evitam, e para ela é como se as sensações da massagem viessem da areia  ou do ar. Após os pés, o rapaz negro panha água do mar e rega a grande flor, massageia em seguida seus ombros. Ela ignora-o. Conversa em alto e bom tom com suas amigas da outra barraca, com um extensivo sotaque português, acelerando os erres e se apressando em unir palavras com enfase nos esses. A portuguesa, após receber massagem com certo desdém, cede a cadeira para sua amiga conterranea passar pelo mesmo processo.
O rapaz negro recebe uns trocados e segue massageando brancos.
Estamos em Salvador, 2015, após mais de cem anos da abolição da escravatura em uma cidade com a maior população negra fora da África. Poderia ser uma cena de duzentos ano atrás. E provavelmente foi, nesta mesma areia.

Pulmões

Depois do expresso 2222 tocar baixinho, ele me explicava a rotação da Terra em torno do Sol e da Lua ao redor da Terra. Levantava os braços e reproduzia sons de foguete com os lábios. A meia-luz transformava a ciência em poesia, junto com a paixão que ardia em algum lugar dentro de mim. Eram os pulmões. Um tom poético, com melodia, dominava o ar e invadia meus pulmões.

Reamor

Um dia ainda morro de saudade.
Essa ardência que dá por dentro, com foco no peito e leve espalhar contínuo pelo resto do corpo.
Que faz a cabeça pulsar, os olhos paralizarem e as mãos suarem frio.
Não sei se o nome é saudade ou nostalgia.
Uma sensação corrosiva, tão intensa quanto aquela que dá ao meio dia de uma manhã sem café.
Se um dia eu morrer de sentir, vai ser disso.
É isso que me mata!
Saudade do que é lindo, das sensações passadas, de antigos momentos de intenso amor.
O amor daqueles momentos de vez em quando jorra de novo, retransborda.
E aí eu quase morro.
Não é saudade, não pode ser.
Tampouco nostalgia, seria triste demais.
É reamor.
Reamor aos sorrisos sinceros e acolhedores, reamor aos abraços, reamor à brisa fina dos mares, ao calor intenso do sol e a umidade do suor.
Reamor aos diálogos.
Reamor, sobretudo, ao magnetismo invisível dos bons momentos.
Magnetismo que sobe do chão e desce do céu ocupando a atmosfera de intensas sensações.
O prazer magnético que é reamar.
Aparece quando menos se espera, não se pode prever.
No meio do banho, num percurso de onibus, no meio de uma leitura.
O reamor toma conta quando quer.
E então é quando torno a sentir aquilo que senti na casa da Islândia, no primeiro banho de mar de água doce, em cada pisada descalça na areia fofa e quente de Algodoal,
Nos embalos apaixonados da rede, no eclipse lunar a bordo.
Como é bom amar tudo de novo.
O amor que em mim habita.

Presos do porão

Quem são os presos do porão?
De onde vem, para onde vão?
Merecem, enfim, ser quem são?
Isso é o que devia passar na televisão.
Nessa noite de eclipse, rogo a toda energia universal
Que abençoe o mundo com um pouco mais de justiça
Que nos ensine a amar
E reconhecer a semelhança humana que nos une
A semelhança da vida que nos conecta com os outros seres
Enquanto houver presos no porão
Não haverá floresta, água ou ar puro.
A não-violência é o equilíbrio primordial
Lua, reapareça e ilumine de novo a Terra
Nos dê segunda chance.
Banhe de amor o planeta água.

Três vezes arte

Alguém estava triste na rua, Recuperando-se do dia inteiro sofrido Tentaram distraí-lo de seu sofrimento Enganando-o com as gritaria...