Existem várias
definições de cultura, formuladas por pensadores de diferentes épocas. Eu não
sei nenhuma minuciosamente, mas já escutei e li sobre algumas. Sei também o que
é cultura pelo senso comum. Aquele conjunto de hábitos, rituais, a moral e o
pensamento que rege determinada população humana e que a faz ser diferente das
demais. Cultura é, portanto, uma exclusividade humana, e não cai bem discordar
desse ponto.
Sei disso
porque já discordei, sem nenhum embasamento, confesso. Mas perguntei pra diferentes
pessoas, professores, alunos, mães e avós, se acreditavam que existia cultura
em outros seres vivos. O consenso era que não. Cultura é humano. Porém, o que me
faz pensar que essa afirmação pode não ser inteiramente verdadeira é que somos
seres humanos, e com isso, carregamos nossas limitações em interpretar o mundo
à nossa maneira. Será, que humanos que somos, conseguiríamos identificar a
cultura que existe em outras espécies de seres vivos? Poderíamos, como já
acontece, encontrar alguns traços de cultura em primatas (chimpanzés, bonobos, macacos-prego),
mas porque conseguimos identificar a nossa
cultura em alguns dos seus comportamentos. Porém, a nossa forma de ver o
mundo e a nossa cultura não é a única que existe sobre esse planeta. Talvez,
outras formas de ver o mundo criem diferentes culturas, as quais, com o nosso
olhar limitadamente humano, não conseguimos identificar de forma alguma. Como poderíamos
saber se o comportamento estruturado de um formigueiro é meramente instintivo e
não cultural? Ou ainda, para fugir dos animais sociais, se a aranha viúva-negra
se alimenta do parceiro sexual após a cópula não por instinto, mas por alguma
forma de transmissão? E os coalas que, ainda bebês, aprendem com as mães a se
alimentar das fezes delas para adquirirem a enzima que lhes permitirão se
alimentar de brotos, e unicamente de brotos, para o resto de suas vidas? Uma
das características da cultura (como nós a compreendemos) não é, afinal, a
transmissão de costumes geração para geração? Isso só pra pensar nos animais. E as
plantas que se comunicam unindo suas raízes e lançando compostos voláteis no ar
para os vizinhos a perceberem? E a interação inseto-planta? Tudo mecânico,
guiado pela cega evolução?
Dentre tantas
pessoas que perguntei a respeito dessa minha ideia fixa, que pode ser também
ridícula, consegui uma única resposta que achei interessantíssima, de uma
professora de antropologia. Ela defendeu a ideia de que, sim, podemos não
conceber as diferentes formas de cultura passíveis de existência na natureza,
mas isso é um reflexo de algo muito mais remoto presente, sobretudo na cultura
humana ocidental, que é a mania indomável de separar natureza e cultura. Se tivéssemos,
portanto, outra forma de enxergar a vida poderíamos conceber que tudo faz parte
de um mesmo pacote, onde não existe a diferença instinto e cultura, o que é “natural”
e o que é “aprendizado”. Enquanto uns dizem que nada é natural, tudo é
construído, eu me atrevo a dizer que tudo é natural, mesmo as construções. Ou,
ainda, não é nem natural (instintivo) nem construído (cultural), é uma terceira
palavra que engloba as duas de uma só vez e que pode, enfim, calar essa
dicotomia infinita.
Talvez mexa
muito com a nossa autoestima pensar que não somos animais especiais, super-animais,
animais encantados. Queremos nos gabar de nossa sociabilidade, nossa interação
e linguagem e ousamos dizer que somos os únicos seres vivos com “alma”. Será
que se igualarmos os outros seres vivos ao patamar que construímos pra nós
mesmos estaremos nos submetendo? Ou simplesmente aceitando a vida como ela é? Afinal,
não derivamos todos de um ancestral comum? Fico pensando que se aparecessem
extraterrestres totalmente diferentes de nós, mas que decidissem nos estudar,
se eles diriam que as festas, os jantares em família de domingo, assistir
televisão e construir hidrelétricas não seriam simples instintos, conhecidamente
mecanizados, os quais a humanidade segue cegamente, só porque eles teriam uma
visão “extraterresterizada” da vida e não compreenderiam a nossa forma de ver o
mundo, que se reflete na nossa cultura.
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