segunda-feira, 2 de junho de 2014

Liquefação

O amor talvez não precise ser duro, sólido, recheado de cristais pontiagudos. O sólido cria rachaduras que se quebram com o tempo. Ao enrijecer, a parte boa entremeia-se na ruim e tudo se torna um só corpo, sem lacunas. Nada tão inflexível pode durar muito. O amor não por isso precisa se tornar gás. Feito ar, pode tornar-se invisível e vai e vem tão depressa como uma respiração em nossos pulmões. Não se pode volatilizar sentimentos, as relações não precisam ser tão areadas só para evitar que endureçam. É um tanto injusto dispensar sensações boas por medo das ruins, deixar que tudo se evapore de uma vez sem que se possa discriminar o que está vazando.  Isso é negar o amor. Sem precisar de defesas, sem querer ser radical, porque não liquidificar nossas relações? A fluidez liquida permite contato e interação de todas as partes, boas e ruins. O líquido se modela ao ambiente, é capaz de mudar sua forma para completar por inteiro cada espaço vazio. Assim deveriam ser as relações, fluidas, possíveis de completar nossos pequenos espaços, onde não conseguimos sentir o gás preencher e onde não há sólido que adentre. Com menos cobranças e, sobretudo sem leviandade, podemos liquefazer nossas emoções, e assim completar uns aos outros, mutuamente, livremente. Como fluido, vamos escorrendo sem freio por cada porta aberta, desviando de obstáculos até que tudo se inunde. Abrindo nossas portas, permitimos um banho das coisas boas que os outros podem nos oferecer. Não vai doer, não há pontas rígidas, somente extremidades curvas de líquido suave acariciando cada espaço pelo qual corre. Abra-se para ser preenchido pelo fluido dos outros, fluidifique-se para preencher os espaços vazios que encontrar. Liquefaça-se.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Três vezes arte

Alguém estava triste na rua, Recuperando-se do dia inteiro sofrido Tentaram distraí-lo de seu sofrimento Enganando-o com as gritaria...